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Blogue do Apostolado da Oração

O filme “O Silêncio”

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Por esta altura, muitos dos que me leem já terão visto o filme “O Silêncio”, de maneira que já se poderão posicionar face a umas observações que se me ocorre fazer.


Perto do fim do filme, Rodrigues renega a sua fé publicamente, parece-nos que para salvar aqueles que estão com a cabeça enterrada nas covas a morrer lentamente. Mas a sua apostasia vai tomar uma dimensão que estilhaça os limites da privacidade daquele ato. Os japoneses não deixam que se pense que aquilo foi apenas um momento de fraqueza; obrigam-no a provar – tanto quanto exteriormente é possível provar, e é só isso que lhes interessa – que renegou a fé para sempre, obrigando-o a converter-se ao Confucionismo, fazendo-o apostatar com regularidade e fazendo-o adotar os costumes japoneses, impondo-lhe inclusivamente uma família. Mas há mais. Puseram-no a denunciar símbolos cristãos que, ao serem descobertos, levavam à prisão de quem os trazia da Europa.


No filme, o sacerdote ouve a voz de Cristo dizendo-lhe que apostatar está certo. O filme transmite-nos a ideia de que, embora Ferreira e este sacerdote tenham apostatado, continuam a ter fé: a Ferreira escapa-se-lhe a expressão “Nosso Senhor” quando está à procura de símbolos cristãos nos objetos trazidos pelos holandeses e Rodrigues confessa e vê-se, no final, que guardou sempre uma cruz. Parece que terão guardado a sua fé em privado. Pelo menos o segundo sacerdote. Mas isto em nada atenua o seu testemunho público.


Gostava de confrontar o leitor com a minha opinião. Eu entendo que não era lícito este sacerdote ter apostatado – e estou só a ocupar-me dele – porque a apostasia foi um ato público que – como o inquisidor intuiu, e bem – no Japão representava a Igreja inteira. (Claro que Rodrigues salvou aquelas vidas, mas vidas essas que se tinham entregado ao martírio de sua livre vontade, porque não tinham querido renegar a fé.) Para o inquisidor e para todos os cristãos ainda vivos, com a apostasia dos sacerdotes, foi a hierarquia da Igreja que apostatou. Hierarquia que alimentava o povo espiritualmente e que depois permaneceu no meio desse mesmo povo como confucionista, defraudando todos os que se mantiveram cristãos. Foi o símbolo vivo da religião que apostatou e vestiu uma pele japonesa. Símbolo para todos os cristãos que estavam vivos e símbolo para o governo japonês. Com a apostasia, esse símbolo esfumou-se.


(Nota: isto é a minha opinião teórica. Humildemente, não sei se teria forças para o martírio.)

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

 

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