Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Apostolado da Oração

A PESSOA ACIMA DO SEU GÉNERO

vienna-434517_1280.jpg

 

Todas as pessoas merecem todo o respeito, independentemente da sua cultura ou formação, ideologia ou religião, origem social ou geográfica. Também o facto de cada pessoa ser mulher ou homem não pode ser motivo de menos consideração e direitos.

Historicamente, de um modo clamoroso no passado, mas ainda com tantas injustiças na atualidade, a mulher tem sido sujeita a discriminações que bradam aos céus. Uso propositadamente esta expressão porque, segundo o relato bíblico da criação, «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher» (Génesis 1, 27).

Deus, autor do género da pessoa que somos, homens ou mulheres, criou-nos com igual dignidade, portanto com os mesmos direitos e deveres próprios de quem espelha o amoroso DNA divino, a sua imagem e semelhança. A nossa feminilidade ou masculinidade é uma revelação da semelhança de cada mulher ou homem com o próprio Deus. As nossas diferenças como género de pessoas (sexuais, psicológicas, afetivas) são complementares e não antagónicas. Ninguém é mais ou menos por ser homem ou mulher. Todos merecem igual respeito e estima. Todos, de modo complementarmente diverso, espelhamos o amor que Deus é.

O substantivo essencial que nos define é «pessoa», ser livre e amoroso. De algum modo, permitam-me esta inovação gramatical, os vocábulos «mulher» ou «homem» são adjetivos que qualificam o modo concreto de ser pessoa. Aceitar e amar a originalidade da nossa identidade pessoal/sexual, como mulheres ou como homens, é aceitar o desígnio de Deus, que assim nos criou. Só nesta aceitação gozosa poderei experimentar o amor desmedido que Deus me tem. Só assim poderei ser para os outros o que eles necessitam que eu seja. Não um ser amorfo e indiferenciado, neutro ou confuso. Viver feliz, com todo o equilíbrio possível, a minha identidade sexual/afetiva é também um serviço social, comunitário.

Situo neste pano de fundo a presente disputa para alterar o «Cartão de cidadão» em «Cartão de cidadania». É claro que sou a favor da linguagem inclusiva. Tive o gosto de em 1995, há quase um quarto de século, ter sido um dos que aprovou o decreto 14 da Congregação (Capítulo) Geral da Companhia de Jesus: «Os jesuítas e a situação da mulher na Igreja e na sociedade». Entre as medidas práticas a observar, está o «uso da linguagem inclusiva, quando falamos e quando escrevemos».

Mas o justo equilíbrio («no meio está a virtude», como recorda o ditado latino) deve ser o denominador comum de todas as normas e modos de proceder. Por exemplo: é recomendável a todos o bom hábito da limpeza. Mas é sobremaneira desaconselhável a mania da limpeza, lavando-se alguém vezes sem conta e escovando-se repetidamente. A boa educação e a delicadeza devem ser parte do nosso código ético, mas sem cairmos no excesso de andar a fazer vénias a toda a gente que passa na rua, com salamaleques afetados e cortesias desproporcionadas, que acabam por incomodar quem se pretendia honrar.

O bom senso linguístico aconselha- nos a usar bem a linguagem tal como é, sempre limitada, procurando que seja inclusiva de homens e mulheres. Também aqui a pessoa está acima do seu género. Ou será que teremos de mudar gramáticas e dicionários, para que as palavras terminem numa letra consoante, omitindo as vogais que denunciariam os género feminino ou masculino? Assim passaria a identificar-se o Cartão de cidadão: «Cart d cidad»? Ou será que parlamentares promulgarão um decreto real proibindo o uso da língua portuguesa, passando a ser obrigatório o inglês, como língua estruturalmente mais inclusiva? Promulgue-se sim o decreto do real bom senso!

 

Manuel Morujão, SJ

 

MAIS DO QUE AS PALAVRAS, OS GESTOS!

papa-francisco-3 2.jpg

 

Chegou ao Vaticano há três anos, e, desde a primeira hora, não parou de surpreender o mundo e até a própria Igreja que o escolheu para sucessor de Bento XVI. Mario Jorge Bergoglio, inspirado em São Francisco de Assis, adotou como Papa o nome de Francisco. A inspiração não se refletiu apenas no nome. O agir de Francisco identifica-se muito com o de Francisco de Assis. Nas palavras e nas obras.

São Francisco de Assis não se fechou em conventos como era comum nos religiosos do seu tempo, viveu em pregação itinerante. Renovou o catolicismo da altura, reconheceu os problemas dos seus semelhantes e de toda a Humanidade. Dedicou-se aos mais pobres dos pobres. Amou todas as criaturas chamando-as de irmãs.

Francisco marca o seu pontificado pela espontaneidade face aos protocolos, desde logo, o do Vaticano. Decidiu, por si só, onde e como queria viver. Trocou o palácio do Vaticano pela Casa de Santa Marta. Não alterou as maneiras, nem abdicou de grande parte das rotinas que tinha enquanto arcebispo de Buenos Aires. Teima em quebrar as regras de segurança para ir ao encontro e deixar que o encontrem. Afirma-se pela simplicidade e pela abertura constante. Pela alegria e pela ternura do abraço.

Este último Francisco não desiste da paz e do diálogo, do encontro e da proximidade. Insiste em ir às periferias e condena, numa linguagem que todos entendem, os males e os malfeitores do mundo, sejam políticos, criminosos, poderosos ou gente da Igreja. As questões sociais, ecológicas e humanitárias têm estado no centro do seu pontificado, particularmente os refugiados, os sem-abrigo, os presos, os idosos abandonados, as vítimas de tráfico humano e de perseguição religiosa. Tem pugnado pelo diálogo ecuménico, chama de irmãos os demais líderes religiosos e todas as pessoas de boa vontade. Exortou o mundo para a importância do amor e da alegria em família e para a necessidade de defender o planeta.

O Papa que veio "do fim do mundo" não se fica pelas palavras. Avança para gestos mesmo que sejam contra a corrente. São exemplo disso a paragem inesperada no Muro das Lamentações para rezar, durante a viagem apostólica à Terra Santa; o encontro, em Cuba, com o Patriarca Ortodoxo de Moscovo; os reiterados e humildes pedidos de comunhão plena entre católicos e ortodoxos. Mais recentemente, fez-se acompanhar pelo Patriarca Ecuménico de Constantinopla e pelo Arcebispo Ortodoxo de Atenas a um campo de refugiados na ilha grega de Lesbos, para falarem a uma só voz ao mundo sobre esta «crise de humanidade». No final, regressou ao Vaticano com três famílias muçulmanas refugiadas. Mais que as palavras, os gestos.

Qua a Igreja e o mundo se alinhem pelo exemplo de Francisco, seja o de Assis, seja o atual sucessor de Pedro.

 

Elisabete Carvalho

 

DE UMA CARIDADE CEGA A UMA CARIDADE PENSADA

olho-de-inveja.jpeg

 

Este hino de S. Paulo é um bonito hino à caridade, mas se olharmos para ele sem um olhar romântico notaremos que nos põe alguns problemas. E com isso, temos que tomar uma decisão. Ou decidimos que o hino fica bem pendurado, muito quietinho, nas paredes do nosso sentimentalismo ou, se o quisermos cumprir, teremos que resolver vários problemas.

O hino tem alguns versículos que me parecem problemáticos:

 

O amor é paciente,

O amor é prestável,

Não é invejoso,

Não é arrogante nem orgulhoso,

Nada faz de inconveniente,

Não procura o seu próprio interesse,

Não se irrita nem guarda ressentimento.

Não se alegra com a injustiça,

Mas rejubila com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê,

Tudo espera, tudo suporta. (1 Cor 13, 4 – 8)

 

É importante que os interpretemos à luz do evangelho e não à letra.

Comecemos por este versículo: “o amor é paciente”. Claro que o amor é paciente mas não é paciente sempre. Muitas muitas pessoas acham que a impaciência é pecado. A impaciência é um sentimento que só não sente quem vive numa espécie de nirvana. Há pessoas que chegando a determinado grau da sua carreira já ninguém as faz esperar. São elas que fazem esperar. Que quando vão ao médico são atendidas ao minuto, que em casa lhes dão as refeições às horas que querem, são elas que marcam as horas das reuniões, claro que não esperam por transportes públicos, são os seus chauffeurs que esperam por elas. Nunca estão nas filas das compras porque há quem as faça por elas. Assim, é mais fácil não se ser impaciente.

Mas o comum dos mortais impacienta-se com as vicissitudes do dia a dia. O autocarro que não chega, o comboio que está cheio, a fila que não anda, a sopa que se estragou, o computador que avariou quando devia estar a imprimir um documento importante.

É o mesmo mecanismo interior que nos faz impacientar com as pessoas de nossa casa. É frequente um dos membros do casal ser muito pontual e o outro muito disperso. Ou arranjam um meio-termo ou chegam às festas sempre zangados – e atrasados – porque um foi pressionado a despachar-se e o outro levou com a má cara em cima. Também, nos casamentos às vezes já estamos impacientes porque entre os aperitivos e o copo de água há, não raro, três ou quatro horas em que as pessoas enlanguescem por ali, sob a torreira do sol, com poucas cadeiras, quase nenhuma sombra. Enfim, motivos para nos impacientarmos não nos faltam.

Pessoas com quem falo parecem ter como ideal estar sempre com uma grande calma com o marido, os filhos, ou a mulher. Ter-se-à a ideia de que devemos ser sempre imperturbáveis, faça chuva ou faça sol dentro de nossas casas? A nossa impaciência, é, muitas vezes, uma maneira do outro acordar. Quantas vezes as crianças só assimilam quando se lhes levanta a voz. Quantas vezes o adulto só percebe que está a ser chato quando nos impacientamos com ele? Em nossa casa, não nos impacientarmos corresponderia a quê? A acolhermos tudo com bonomia? A dizermos com muita paciência: ‘”meu querido se te chegas ao fogo queimas-te.”? Não pode ser. Algumas vezes é a impaciência que nos dá energia para sermos firmes. Como diz, e bem, o nosso povo “a paciência tem [que ter] limites”.

Agora, uma coisa que eu acho que, em casa, se pode fazer para contrariar alguma impaciência deslocada, é aproveitar os bons momentos, os nossos momentos de descontração para dar mimo, muito mimo, ao marido, à mulher, aos filhos. O mimo nunca é demais. Todos precisamos muito de mimo. Mas mimar não é estragar. Mimar é reforçar a capacidade afetiva, estragar é reforçar o egoísmo.

No mesmo hino S. Paulo diz-nos que o amor não é invejoso.

É natural que quando amamos alguém não tenhamos inveja dessa pessoa. Mas não amamos toda a gente à nossa volta. Além disso, o que é a inveja?

Invejar é ficarmos roídos – lá está a expressão “roídos de inveja” – por não termos o que as outras pessoas têm ou são. É normal eu ver uma pessoa com alguma coisa que eu também gostava de ter. Por exemplo, se me perguntassem se eu gostava de ter sentido de orientação dizia logo que gostava muito. Mas não tenho inveja de quem tem um bom sentido de orientação.

A inveja começa quando o desejo de ter o que os outros têm rói a nossa pureza, começa a tomar conta de nós. A inveja começa quando não ter o que os outros têm se torna um sofrimento, quando isso se torna uma obcessão e dita comportamentos, normalmente atitudes. Há pequenos sinais que podem ser sintomas. Estar sempre a reparar o que fulano veste, normalmente para criticar, ou mandar uma gracinha. Ou dizer coisas como “quando vejo, na estrada, estes carros tão bons penso logo em traficantes”. Ou também posso fazer umas observações piedosas tipo: “cicrano tem uma casa tão boa, isso nem é cristão”. Quando aquilo que os outros têm, aquilo que os outros são, os lugares que os outros ocupam, começa a dar origem a críticas fininhas – ou menos finas – já temos um sintoma de inveja.

Querermos ter o que os outros têm não é pecado. Já não o admitirmos pode ser o começo do pecado. Se isso nos comer por dentro já estamos no campo do pecado. A inveja é como a humidade; só quando é muita é que se dá por ela.

 

Gonçalo Miller Guerra, sj

 

PRODUTOS NÃO NASCEM NO SUPERMERCADO

grain-664740_1280 (1).jpg


1.
Vamos a casa de um familiar ou amigo e somos convidados a tomar uma refeição. À mesa servem-nos uma sopa de legumes e, a acompanhar o prato principal, uma salada com produtos frescos. Entre conversas e troca de recordações, vamos ingerindo os alimentos sem pensarmos no “caminho” que eles fizeram até chegar ao nosso prato.

 

2. Hoje decidimos ir às compras e abastecer a casa de produtos frescos. Olhamos para as prateleiras e, rapidamente, porque temos presssa para fazer mais “mil e quinhentas coisas”, enchemos os sacos plásticos com alfaces, couves, cenouras, maçãs, laranjas, etc. Despachamo-nos a pagar e quando chegamos a casa arrumamos rapidamente tudo no frigorífico e na fruteira. No meio de tanta correria, nem temos tempo para pensar que os produtos “não nascem no supermercado”.

 

3. O caminho dos produtos hortofrutícolas desde a terra até à nossa casa não é tão simples quanto isso. E nem sempre nos apercebemos da sua complexidade. Aquela peça de fruta ou aquele legume está ali mesmo à nossa frente com tão bom aspeto que nem nos lembramos que uma ou várias pessoas tiveram que suportar as vicissitudes e agruras do tempo para os semear, tratar e colher. Basta fazermos a experiência de cultivar uma pequena horta ou pedaço de terra em nossas casas para vermos o trabalho inerente à produção agrícola. Multipliquemos isso várias vezes, para vermos o trabalho que um pequeno agricultor tem para colher os produtos da terra.

 

4. Aprendamos, pois, a valorizar mais o trabalho daqueles e daquelas que diariamente dedicam o seu tempo ao trabalho no campo e aplicam o seu saber na produção agrícola, sem a ajuda de grandes meios mecânicos, que possam substituir a sua força motora.

 

5. Da próxima vez que comprarmos ou comermos produtos do campo, sobretudo os que são fruto do trabalho dos pequenos agricultores, lembremo-nos do esforço que alguém fez para que aquela peça de fruta ou aquele legume chegasse até nós.

 

Cláudia Pereira