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Blogue do Apostolado da Oração

Perguntas sobre a Qualidade da Vida de Oração

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Não há regras gerais para a oração, pois não há duas pessoas iguais. A sua individualidade, a sua história, o seu mundo dos desejos e as suas relações fazem cada pessoa única no mundo e única diante de Deus. Por isso, apresentamos aqui cinco breves questões, muito práticas, que poderão ajudar a ter consciência da qualidade da própria vida de oração.

 

  1. Não existe boa oração sem paixão, ou seja, sem um coração que queira Deus e se mova com o desejo de O encontrar e ouvir. Isto tem como pressuposto que a pessoa que quer rezar tem uma certeza que é a base de tudo: Deus ocupa um lugar essencial no mundo das minhas relações?

 

  1. O nosso dia a dia é feito de muitas ocupações, somos interpelados continuamente a dispor de tempo e energia para tudo o que nos vai surgindo. Para não ficar à deriva, é preciso priorizar, fazer primeiro o mais importante e a seguir aquilo que é secundário. A oração está na lista das prioridades?

 

  1. A graça de Deus, que nos vai transformando na oração, mesmo que não sejamos conscientes disso, tem reflexo nas nossas atitudes perante a vida e os outros. O primeiro sinal de uma boa vida de oração é o crescimento de uma sensibilidade que permite ver que cada acontecimento, um encontro, uma situação boa ou má, são oportunidades que Deus nos dá para fazer algo que transmita bondade e paz. Os imprevistos com que me deparo tiram-me a paz, ou desafiam-me a dar o melhor de mim?

 

  1. O outro sinal da qualidade da vida de oração é o teste das nossas relações. Quem acaba de se encontrar comigo, sai mais triste ou mais feliz? Mais desanimado ou acolhido e com maior vontade de viver bem a sua vida?

 

  1. Por fim, temos a consequência da oração. Não há vida autêntica de relação com Deus se isso não me leva à comunidade, através do serviço e da celebração. É essencial para mim servir os outros como missão evangélica e celebrar a minha fé com as outras pessoas, contando as maravilhas que Deus faz em mim?

 

A resposta positiva a todas estas questões indica que está no bom caminho da oração e que ainda poderá progredir muito na sua vida, animado e entusiasmado por Deus! Se a algumas perguntas respondeu negativamente, não desanime, aproveite esse ponto concreto para pedir a Deus a graça de um maior esforço. Deus dá-Se a quem deseja dar-se-Lhe de coração aberto.

 

P. António Valério, sj

 

 

 

Um Deus de beleza

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Diz um autor russo, Pavel Florenskij, que «a verdade manifestada é o amor. O amor realizado é a beleza». Esta frase diz-nos de um modo muito condensado que a beleza está profundamente ligada à natureza de Deus. Como nos diz São João, «Deus é amor» e o amor manifesta-se como beleza.

 

Ao longo da história da Igreja, foram muitos os teólogos e pensadores que refletiram sobre esta questão. Hoje vemos que «a beleza está na moda», como diz um teólogo contemporâneo, Pierangelo Sequeri. O problema, diz Sequeri, é que muitas vezes confundimos a beleza com a mera cosmética, com os «enfeites» que adornam aquilo que em si não é beleza. Tentamos disfarçar a fealdade de algumas coisas das nossas vidas com mentiras. Queremos esconder aquilo que na nossa vida é escuro e feio com uma capa de cosméticos. Não é isso a beleza.

O Cardeal Ratzinger, anos antes de ser eleito Papa Bento XVI, diz-nos que é importante renovar o modo como somos anunciadores do Evangelho. «A beleza, diz o Cardeal Ratzinger, é conhecimento (...), uma forma superior de conhecimento porque toca o homem com toda a grandeza da verdade. (...) O verdadeiro conhecimento é ser atingido pelo dardo da beleza que fere o homem (...). Ser tocados e conquistados através da beleza de Cristo é um conhecimento mais real e mais profundo do que a dedução racional». Ao longo deste discurso, o Cardeal Ratzinger vai sublinhando a pertinência de recuperarmos a importância da beleza como manifestação do Amor de Deus. De facto, chega mesmo a dizer que esta é «uma urgência do nosso tempo».

Este não é um mero problema de bem-estar, ou um simples problema teológico, mas é, na verdade, um problema vital. Somos convidados a fazer da nossa vida um lugar de beleza, um lugar de espanto pelas maravilhas que o Senhor, o «Pastor Belo», nos dá de graça a cada passo da nossa vida.

«Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova», diz Santo Agostinho, que faz uma profunda reflexão sobre a beleza e conclui que a razão de ser da alegria perfeita, do amor, do saborear profundo da vida, da união entre todos nós, numa palavra, de toda a beleza, é só Deus. Tudo o que existe vem de Deus Trino e é atraído por Ele. «Na Trindade encontra-se a fonte suprema de todas as coisas, a beleza perfeita, a alegria completa». É esta beleza que nos atrai e nos inspira a fazermos o movimento de saída de nós em direção ao Pai.

A beleza verdadeira é aquela que nos atrai e faz passar das criaturas ao Criador, dos dons de Deus ao Deus de todos os dons, faz-nos ir «para além» do aqui e agora e atrai-nos para a nossa realidade mais profunda e completa, que é o abraço definitivo do Pai, a contemplação de Deus, o encontro amoroso que faz de nós filhos muito amados. A verdadeira beleza é aquela de um coração pacificado e encontrado. Esta brota da graça de Deus, morto e ressuscitado por cada um de nós.

 

Marco Cunha, s.j.

 

PEREGRINO COM MARIA

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Peregrino veio, peregrino partiu. Falo evidentemente do Papa Francisco, que acaba de nos deixar, transportado por um avião da TAP, batizado (dizem-me) com o nome do grande e célebre pintor português (1475-1542) “Grão Vasco” do tempo dos Descobrimentos. Estamos na história a fazer-se nas “Terras de Santa Maria”.

 

Veio a Fátima para celebrar o Centenário das Aparições de Nossa Senhora aos Três Pastorinhos, mas insistiu que o fazia como peregrino com peregrinos numa Igreja que deseja ver como peregrina a sair “para fora”. Fez-se Peregrino de Nossa Senhora de Fátima, precisamente onde a história de Deus se cruza mais uma vez com a história de Portugal. Grão Vasco leva um pouco dessa história ao levá-lo de regresso a Roma para, a partir do centro da cristandade, continuar a sua peregrinação por outros mundos, outras terras e, já agora, por outros mares “ainda por navegar” e que vão para além de nós, do nosso mundo, dos nossos mares, da nossa história e até das nossas histórias.

 

É para esse “para além de nós” que o Papa Francisco nos convidou a ir. Chamou-lhe “as periferias” onde habitam outras terras com histórias de clamores silenciados mas que bradam aos céus. Naquele pobre, sentado e de mão estendida há um grito (“Ajuda-me”); naquele sem-abrigo deitado entre cartões há um pedido (“Acolhe-me”); naquele toxicodependente há uma voz carente (“Ama-me”), e por aí adiante.

 

Estamos no mundo dos pobres e abandonados, dos presos e desempregados, dos doentes e das pessoas com deficiências; estamos no mundo das carências de toda a ordem, sejam elas económicas ou sociais, morais ou espirituais; estamos no mundo do vazio (“Era do Vazio” alguém lhe chamou), onde aparentemente se tem tudo e não se tem nada, nem sequer a voz popular do “Quem tem uma mãe, tem tudo; quem não tem mãe, não tem nada”. Por isso, gostei de ouvir a voz comovida e convicta do Papa diante daquele mar de gente no recinto do Santuário: “Temos Mãe, Temos Mãe”. 

 

Não era preciso dizer mais nada, nem era preciso falar de Esperança e Paz. Bastava deixar-lhe o rosto a falar de ternura com os gestos a “tocarem” nas pessoas enquanto o carinho e a misericórdia lhes tocavam as vidas quais toques de Deus a acontecer em pinturas de luzes e sombras tão bem espelhadas no sol e nas nuvens do momento. Bastava o silêncio da oração prolongada para recolher tudo isso. E deixar-se ficar assim no colo da Mãe sem falar, apenas escutando e sem pensar, apenas sentindo. É nesse silêncio que por vezes acontece o milagre da Plenitude da Graça a encher os nossos vazios interiores com o Sol bailando em cântico de alegria. Mesmo sem o sabermos explicar.

 

E partiu em jeito de despedida. Da partida de Fátima retenho o momento do Adeus do Papa com o lenço branco a abanar enquanto o olhar seguia a andor que levava Maria ao seu “recolhimento” na capelinha onde a devoção popular a “acolheu”. Da base aérea de Monte Real guardo a sua imagem, já na porta do avião, com a pasta preta na mão esquerda caída ao longo do corpo, enquanto a mão direita fazia o gesto comum e simples de despedida, que envia embrulhado no sorriso do olhar para o Presidente da República e o Bispo de Leiria-Fátima, nossos representantes. Espero que nos entreguem o gesto e o sorriso. E partiu como veio. Dizem que partiu contente. E nós contentes ficámos. Contentes e agradecidos.

 

Texto: A. da Costa Silva, s.j.

Imagem: Ricardo Perna/Família Cristã

FÁTIMA, ALTAR DO MUNDO

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Desde o Papa, a centenas de cardeais e bispos, a milhares de sacerdotes, a milhares de consagrados, a milhões de católicos, todos têm o olhar em Fátima, têm o coração em Fátima neste ano centenário, sobretudo neste dia 13, com a presença do Papa e a canonização dos Pastorinhos, com muitos milhares de peregrinos que se vão reunir na Cova da Iria, com milhões que vão estar unidos em oração em todo o mundo, dia 13 (e não só) através das rádios, de muitos canais da TV, de práticas de oração, de homilias, etc., etc. 

O mundo à nossa volta é desta vez o mundo à volta de Fátima, “altar do mundo”, à volta de Nossa Senhora e do seu Coração Imaculado, à volta dos Pastorinhos, os novos santos, à volta do Papa Francisco e com ele. Um mundo que se coloca no Coração da Mãe, um mundo que está presente em Fátima e ligado ao Papa e à Cova da Iria. Mesmo pagãos, membros de outras religiões, ateus, protestantes, etc. estarão unidos e se vão alegrar de ver, participar, estar com o olhar e o pensamento em Fátima, “altar do mundo”. A Mãe vai atraindo todos. No seu Coração caberão todos. O seu amor materno se estende a todos. Os Pastorinhos vão interceder por todos.

É bom não esquecer as muitas centenas, talvez muitos milhares que já peregrinam a pé para Fátima e que irão peregrinando nos próximos dias e durante o ano centenário. Peregrinações belas, dolorosas às vezes, mas com muita fé, muita oração, muita confiança no Coração da Mãe. Muitos corações e almas em sofrimento com problemas graves pessoais, familiares, problemas de saúde, de emprego, de dívidas, de violência doméstica. Problemas que levam muitos a caminhar a pé para o Santuário, altar do mundo, acompanhados por Maria, a Mãe de Jesus, a Senhora de Coração aberto.

O Coração da Mãe é refúgio, é bálsamo, é abrigo seguro. O Coração da Mãe vai encaminhando todos e tudo, pessoas e países, para Deus, para a paz, para a reconciliação. Ela é a Saúde dos enfermos, o Auxílio dos cristãos, Refúgio de pecadores, Ela é fortaleza para a luta contra o pecado e contra o mal, Ela é amor vivo a interceder por todos, Ela é a Mãe vencedora de todas as batalhas. Todos, mas de um modo particular os pecadores, os doentes, os marginais, os pobres, os desavindos, têm um lugar privilegiado no seu Coração. Os que passam fome, os que vivem em guerra, os que não têm casa nem amor de família, encontram na Mãe e no seu Coração Imaculado a graça, o amparo, o caminho do Céu.

O Francisco e a Jacinta, Santos a partir do dia 13 de maio, serão grandes e insignes protetores, intercessores do mundo, da Igreja, do Papa, dos peregrinos. Elevados à dignidade de Santos, ficam mais perto do Coração da Mãe, de Jesus, da Trindade e mais perto de nós e com mais poder para interceder.

O mundo à nossa volta vai sendo cada vez mais um mundo à volta de Maria, a Mãe Imaculada, um mundo à volta dos Santos Pastorinhos. Estamos todos bem acompanhados, bem vigiados, bem ajudados. Temos mais dois mestres que nos ajudarão a rezar, a fazer penitência, a amar Jesus e a adorá-Lo na Eucaristia, a amar os pobres e necessitados, a rezar e amar o Papa, a estarmos no Coração da Mãe.


Os Santos Francisco e Jacinta nos ajudarão a rezar mais pelos pecadores, a colaborar na redenção, a ser instrumentos vivos na paróquia, na Igreja, a ser mais colaboradores do Papa rezando por Ele e pelas suas intenções como fazem milhões de membros do Apostolado da Oração. Com os Santos Francisco e Jacinta, poderemos interceder mais para que todos se salvem, para que haja paz no mundo, para que não haja fome, violência, pecado, ódio. Com o auxílio dos dois novos Santos, vamos caminhando na fé, na esperança, na caridade, irão aumentando os que acreditam, os que se confessam, os que comungam bem, os que desejam o casamento religioso.

O mundo à nossa volta vai-se transformando aos poucos e ficará mais perto de Deus. Será um mundo mais fraterno, mais justo, mais aberto à beleza do amor, mais sensível à vida, aos pobres, aos deslocados e emigrantes, aos sem-casa e sem-amor. Parece que cada vez há mais pessoas interessadas a ajudar os outros, a dispor de si, do seu tempo, dos seus bens, para amar e servir. Nossa Senhora irá ajudando a converter mais corações empenhados no bem, em ajudar, em servir. Há mais gente a rezar cada dia e a dispor-se para servir melhor os outros.

Estamos em caminhos de esperança. E os muitos milhões que passaram em Fátima este ano centenário ficarão, de certeza, mais tocados pela graça e com um desejo renovado de vida mais digna, mais santa, mais de Deus e para Deus. Todos no altar do mundo se deixarão tocar pela graça e olharão os Pastorinhos como modelos. E a Mãe olhará e ajudará a todos a sermos menos piedosos e mais cristãos, mais homens e mulheres de Evangelho.

Dário Pedroso, sj

 

Um Sentido

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A dado momento, durante uma homilia pascal, Agostinho de Hipona interroga-se sobre o motivo pelo qual a Ressurreição de Jesus foi primeiramente anunciada pelas mulheres. A resposta que encontra é, no mínimo, original.

 

No relato bíblico sobre a queda, em Génesis 2, 25 – 3, 24, há uma mensagem que provoca a rutura do casal primordial com a sua vocação: trata-se da insinuação que a figura da serpente apresenta à mulher, Eva: «Não, não morrereis; porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus». Segundo o texto, a mulher acreditou nesta insinuação, assim como o homem. A mentira, a desconfiança e o desejo violento de posse traçam, desde as origens, a história da humanidade.

 

Assim, para Agostinho, tal como o anúncio de morte foi transmitido de uma mulher para um homem, assim também o anúncio da vida deveria ser transmitido das mulheres para os discípulos varões. A dinâmica pascal da vida, da esperança e da confiança emergem do mesmo Jardim onde se havia dado a queda. Trata-se de um novo nascimento.

 

E aqui entra o mais curioso: Agostinho nota como, ao contrário da insinuação primordial, os discípulos têm dificuldade em acreditar. Adão não apresentara obstáculos à mensagem dada por Eva; mas os discípulos consideram as palavras das mulheres como um desvario (Lucas 24, 11).

 

Talvez seja esta a condição que nos acompanha: mais facilmente cremos (damos crédito) numa mensagem de defesa, de desconfiança e de rutura, do que numa mensagem de confiança, abertura e sentido. Há uma necessidade de seguir os sinais – as ligaduras, a pedra removida –, sem deles, no entanto, possuirmos uma certeza plena de seguranças. Que este Tempo Pascal nos ensine algo desta linguagem.

 

Texto: Rui Vasconcelos

Foto:  “The Three Marys”, Henry Ossawa Tanner, 1910