Nas últimas semanas, as aldeias, vilas e cidades portuguesas começaram a ter um colorido diferente. Rostos mais ou menos conhecidos foram aparecendo aqui e ali, no centro das rotundas pelas quais circulamos ou pendurados nos postes que iluminam os nossos trajetos diários. A algumas caixas do correio foram chegando ideias, promessas e balanços de trabalho feito nos últimos anos.
Com estratégias que vão oscilando entre o tradicional e o inovador, multiplicam-se contactos personalizados, visitas a locais de trabalho ou contactos diretos com as populações. Todos procuram ouvir os lamentos e auscultar as necessidades da população.
O cenário repete-se ciclicamente, a cada novo período eleitoral. Já estamos habituados a que seja assim. Com mais ou menos interesse, vamos vendo cartazes, ouvindo ideias e trocando impressões. Comentamos, criticamos, sugerimos. Fazemos “gostos” nas publicações das redes sociais, partilhamos notícias, fotografias e vídeos.
E quando chega o dia das eleições, que postura adotamos? Assumimos a responsabilidade e vamos exercer o direito de voto? Ficamos indiferentes e até aproveitamos para dar aquele passeio há tanto tempo desejado? Arranjamos compromissos supostamente inadiáveis que acabam por preencher o dia e fugimos a essa responsabilidade?
Independentemente da opção política de cada um, votar é um dever cívico, que os cidadãos a partir dos 18 anos devem exercer. Os cristãos também, pois ser cristão passa, entre outras dimensões, por esta participação ativa na vida da sociedade, por contrariar algum comodismo que parece querer instalar-se, por não deixar que sejam apenas os outros a decidir o rumo, neste caso, das freguesias e dos concelhos. Este domingo, 1 de outubro, temos, enquanto eleitores, uma oportunidade de mostrar que somos cidadãos preocupados com o país, oportunidade essa que não devemos desperdiçar.
Até podemos ser levados a pensar que o nosso voto é uma gota no oceano. Mas, como disse um dia Santa Teresa de Calcutá, sem essa gota “o oceano seria menor”. Se nunca formos exercer o direito – e o dever – de votar, o oceano acabará por secar e o mundo ficará deserto de ideias.
Para quem tem filhos, votar é também uma forma de educação, mostrando que existem situações ao longo da vida que exigem o nosso compromisso e que não devemos fugir das nossas responsabilidades, seja na família, no emprego, na vida em sociedade ou na vida de cristãos. A riqueza de uma sociedade passa por aqui... pelo empenho e dinamismo que os cidadãos vão mostrando.
Uma vez passado o ato eleitoral, a pouco e pouco, e muitas vezes ultrapassando os prazos devidos e estipulados, os cartazes vão sendo retirados das rotundas ou dos postes e as caixas de correio voltam a receber apenas o correio habitual. Os contactos personalizados com os cidadãos vão rareando e as necessidades das pessoas voltam a estar (praticamente) esquecidas... até às proximidades do ato eleitoral seguinte.
E nós, os cidadãos que votámos, como reagimos? Acomodamo-nos a este esquecimento por parte dos dirigentes políticos? Ou, convencendo-nos que temos de ser mais ativos e exigentes, não ficando limitados ao show off das pré-campanhas e campanhas eleitorais, cumprimos o direito – e o dever – de acompanhar o trabalho daqueles que foram eleitos? Não deixemos, por comodismo, que a nossa sociedade fique mais pobre.
Conheci o bispo D. António Francisco dos Santos quando ele era bispo auxiliar na diocese de Braga. A minha colaboração nos Estúdios Regionais de Braga da Rádio Renascença fez-me cruzar algumas vezes com ele. Ficou-me na memória um homem simples, próximo, de sorriso fácil e aberto. Vim a descobrir, também, o homem sábio e bom, que não esquecia nomes e, já bispo de Aveiro, perguntava sempre por mim, nos seus encontros frequentes, por motivos pastorais, com a minha esposa.
Não éramos amigos, no sentido habitual do termo, pois a nossa convivência não chegou a esse ponto. Éramos conhecidos que se estimavam à distância. Para mim, era também um bispo-pastor, no sentido mais forte do termo, pois nunca estava longe das pessoas a quem servia, na Igreja e na sociedade.
A notícia da sua morte, apesar da surpresa, não me deixou triste. Deixou-me um misto de saudade – aquele sorriso desarmante que me vai fazer falta, mesmo nas fotografias das agências de notícias ou nas imagens de televisão – e de paz, pois sei, com o conhecimento da fé, que o Senhor da Vida o conserva na sua mão segura.
Foi bom tê-lo conhecido, D. António! E é muito bom viver na esperança de, no dia para lá de todos os dias, o reencontrar no abraço eterno do Pai.
A frase foi escrita, há relativamente pouco tempo, num jornal de referência, por Eduardo Lourenço. Tropecei nela e nela tenho andado a tropeçar até hoje, dia em que começo estas linhas para “O mundo à nossa volta” do site do AO, mundo este tão cheio de barulhos e ruídos, alguns ensurdecedores, em que muito se fala, berra e vocifera, mas onde raramente as pessoas se ouvem. Se é que se querem ouvir, o que duvido. Ouvir dá muito trabalho porque implica disposição interior para a mudança e abertura ao outro. Por isso é mais fácil falar para “convencer” (só que isso não é comunicar), ou berrar para “vencer” (só que isso é despotismo), ou vociferar palavrões para “denegrir” (só que isso é ofender). Há muito barulho, mas o diálogo é de surdos por mais alto que se fale.
Talvez o problema resida na incapacidade de nos ouvirmos primeiro no íntimo de nós mesmos. E, talvez, o problema da incapacidade de nos ouvirmos no íntimo de nós mesmos esteja no medo de ouvir esse “algo que fala em nós” (porque nos incomoda) “e nos fala” (porque nos inquieta). Eduardo Lourenço referia-se à dimensão transcendente da vida humana. O homem em particular e a sociedade em geral não sabem o que fazer do transcendente nem com o transcendente porque, como disse, incomoda e inquieta. Por isso, tão pouco sabem o que fazer de Deus e com Deus. E porque na sua negação está simultaneamente implícita a sua afirmação, o melhor é esquecer, fazer de conta ou proceder “como se” não existisse.
E lá vamos, sem Deus quando não contra Deus, tentando construir a nossa história coletiva e as nossas histórias pessoais com todas as consequências conhecidas. O resultado está à vista. Basta ler as notícias e ver os telejornais para confirmar o versículo do Salmo que diz: “Se Deus não construir a cidade, em vão labutam os homens por construí-la” (cito de memória).
Felizmente que esse “algo que fala em nós e nos fala” continua lá, no mais fundo de nós próprios, a falar (voz) e a falar-nos (mensagem). Voz e mensagem a caminharem connosco ao longo das nossas histórias, como apelos de Deus à verdade que nos liberta e à reconciliação entre os homens, único caminho para a paz e bem-estar de todos e para todos e não só de alguns e para alguns.
Não sei se estou a escrever sobre Deus ou sobre o homem. Sei apenas que o homem pode negar Deus por palavras, obras e omissões, mas nunca conseguirá matar definitivamente a sua voz dentro de si, quer queira quer não, quer goste quer não goste. O grande problema no meio de tudo isto é que Deus e o Homem estão condenados a terem de se entender, pela simples razão de que Deus não pode deixar de ser o que é (Criador e Pai) e o Homem (Criatura e Filho) não consegue ser o que não é. Seria, quando muito, uma imagem falseada de si mesmo.
Neste “algo que fala em nós e nos fala” reside afinal a janela sempre aberta à esperança de melhores dias. E estes estão ao nosso alcance. Só é preciso abrirmo-nos a essa voz que, neste momento e neste contexto, traduzo na frase evangélica: “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações”. A solução para os graves problemas que hoje ameaçam a sociedade, pode bem morar aqui. É na abertura a Deus que nos encontramos a nós próprios e uns com os outros. Mais que de desejos de paz tantas vezes expressos e proclamados solenemente (leia-se: com barulho) nas instâncias internacionais, precisamos, como de pão para a boca, de parar para escutar essa Voz que anda abafada. Acredito que é o caminho que nos pode levar ao abraço da reconciliação e da paz e nos torna irmãos.
Continuam as notícias acerca de fogos, catástrofes, terrorismo que mata, crimes, guerra, violências, fraudes, raptos, etc. etc. Enchem os jornais e os telejornais de desgraças que deprimem e angustiam o povo. Há tanta coisa boa no mundo, tanto dom e serviço, tanta maravilha de amor, beleza, atenção e dedicação aos outros, experiências espirituais e lúdicas fabulosas, dignas, sérias, alegres. Parece que não há interesse, atenção, gosto em dar a conhecer essas maravilhas.
Chega de andarmos deprimidos por tanta desgraça. Ajudem-nos a fazer renascer a esperança no futuro, o entusiasmo pela vida, o gosto de servir e amar. Basta de notícias só de misérias, de desgraças, de atentados à natureza e à vida humana. Precisamos todos que nos ajudem a viver a autoestima, a alegria, o entusiasmo para olhar o futuro com esperança.
É digno e justo louvar e agradecer o esforço dos muitos bombeiros, de outros agentes, de tantos voluntários generosos e sacrificados. Como é digno e justo rezar pelas vítimas, pelas famílias, pelos que ficaram sem nada. Acompanhar em oração as horas, os dias e noites de “inferno”.
É urgente condenar os atos de terrorismo e gritar que Deus, que Alá, não quer mortes de ódio, de vingança. É preciso condenar os processos de exploração humana e sexual de tantas mulheres e jovens e gritar que a vida é um dom precioso e digno, que tem de ser respeitado.
Como é de louvar o serviço dedicado de tantos militares da Guarda Nacional Republicana que, no Mediterrâneo, têm salvo centenas de refugiados. Como é encantador ver o serviço dedicado de tantos médicos sem fronteiras e de tantas centenas de voluntários que vão servir pobres e doentes em países onde há muita miséria, fome, doenças.
Tudo isto tem de ser feito e mostrado com moderação. Não deem cabo de nós e das crianças e adolescentes que veem televisão e choram quando veem casas a arder e pessoas a gritar de terror. Poupem-nos. Não precisamos de andar semanas a ver fogos, uns atrás dos outros, com ruína e todo o sofrimento que comportam.
Não só os cristãos, mas todas as pessoas de outras religiões e todos os que sentem “boa vontade”, temos de nos unir para ajudar a renascer a esperança. Olhar o futuro com otimismo, confiados no amor de Deus e na boa vontade dos homens. Fazer renascer a esperança, ser sentinelas da esperança que gritam aos corações que há muito bem à nossa volta, que há muita gente boa, que há muitas possibilidades de crescer na verdade e na justiça.
Precisamos de conhecer exemplos bons de dom e serviço, de construção de paz e concórdia, de sonhos que comandam a vida na direção certa, ou seja, no amor, no gosto de viver, no dom que faz os outros mais felizes. Não desistamos de viver a esperança como experiência interior que pacifica e alegra, que anima e conforta.
Nos meus quarenta e três anos de sacerdócio, tenho encontrado muita gente boa, dedicada, santa, capaz de se doar para fazer os outros mais felizes. Tenho encontrado muitos e muitos sacerdotes exemplares, castos e pobres, obedientes ao seu bispo e à Igreja, homens que não são funcionários do sagrado, mas que vivem uma dedicação a toda a prova, uma doação generosa ao seu povo, à Igreja, a Jesus Cristo.
Mas sempre que há um pequeno escândalo de algum que por fraqueza cometeu algo mau ou menos bom, temos longos discursos malévolos nos telejornais, repetidos vezes sem conta, como insinuações criminosas e difamatórias.
Olhemos o bem, o positivo, o muito que há de bom e de santo, de dedicação e de serviço generoso. Sejamos homens e mulheres de esperança, vivamos a alegria que nos vem da entrega e da doação generosa.